Ganhou muito destaque nos últimos dias a alta do preço da carne bovina no varejo, e esta informação foi confirmada com a divulgação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA para o mês de novembro de 2019. O grupo carnes apresentou forte aceleração nos meses de outubro e novembro deste ano, apresentando crescimento de 10% aproximadamente, puxado principalmente pelo aumento do preço da carne bovina (10,88%), seguindo pela carne suína (4,89%) e por último, pela carne de frango (0,53%). Portanto, é facilmente perceptível que o aumento dos preços dos cortes bovinos levou a um aumento da demanda pelas demais carnes (suína e de frango) via substituição e, consequentemente, a elevação dos preços das mesmas. Mas quais as possíveis consequências deste aumento dos preços para a pecuária de leite?
De acordo com dados do IBGE, a produção de leite no Brasil apresentou crescimento médio de 2,3% ao ano no período de 2008 a 2018, passando de 27,6 bilhões de litros para 33,8 bilhões de litros em 2018. No entanto, no mesmo período, o que se observa é uma correlação negativa com a quantidade de vacas ordenhadas, que apresentou redução média de 2,7% ao ano, passando de 21,6 milhões de cabeças para 16,4 milhões de cabeças em 2018. Portanto, ressalta-se que o ganho de produção dos últimos anos é oriundo do aumento da produtividade média do rebanho, que cresceu cerca de 4,93% ao ano, passando de 1.277 litros por vaca ao ano em 2008 para 2.068 litros por vaca ao ano em 2018. Observa-se também um aumento do preço real pago ao produtor no período, que passou de R$1,25/litro em 2008 para R$1,43/litro em 2018, um aumento de 1,37% ao ano no período, de acordo com dados do Cepea.
Vale destacar que, boa parte da queda de 5,2 milhões de cabeças de vacas ordenhadas no período de 2008 a 2018 pode ter sido direcionada para a pecuária de corte, uma vez que devido ao ganho de produção média das principais matrizes no período, os produtores de leite puderam descartar animais do rebanho leiteiro para a pecuária de corte de forma estratégica, para complementar as receitas e maximizar os ganhos na atividade. Mas como se comportou o preço do boi gordo neste período, houve algum tipo de correlação com a quantidade de vacas ordenhadas? A Figura 1 mostra a evolução das vacas ordenhadas em milhões de cabeças e do preço nominal do boi gordo do Cepea em R$/arroba no período de 2008 a 2019. Ressalta-se que a quantidade de vacas ordenhadas em 2019 é uma previsão baseada na redução média de 2,7% ao ano no período de dez anos anterior. Portanto, percebe-se, como esperado, uma relação inversa entre a quantidade de vacas ordenhadas e o preço nominal do boi gordo, e esta relação torna-se mais acentuada a partir do ano de 2014.
Figura 1 – Preço do boi gordo e quantidade de vacas ordenhadas no Brasil.
Fonte – CEPEA; IBGE.
Desse modo, pode-se afirmar que existe uma relação entre aumento do preço do boi gordo e o aumento do descarte de matrizes leiteiras para a pecuária de corte, no entanto, nos últimos anos, este descarte não foi suficiente para que a produção de leite fosse influenciada, de forma negativa, muito em função dos ganhos de produtividade no período. Além disso, o preço real do boi gordo já foi maior que o atual, que está 6,23% menor do que seus picos históricos alcançados em 2015, de aproximadamente R$170,24/arroba em média, o que reduz o incentivo ao descarte de matrizes para a pecuária de corte neste momento. Assim, espera-se que, com a acomodação dos preços do boi gordo, a produção de leite não seja influenciada e os preços do leite e derivados lácteos mantenham-se estáveis.
Guilherme Travassos
Pós-Doutorando no Departamento de Economia Aplicada
Universidade Federal de Viçosa