O sucesso da atividade leiteira se baseia em três pilares fundamentais: custo de produção equilibrado, escala de produção e preço do leite. Qual desses pilares interfere mais no bolso do produtor? Buscaremos entender ao longo desse texto.
Em nosso cotidiano, é comum, e muitas vezes espontâneo, justificarmos as situações ocorridas por meio de fatores externos ao nosso controle. Por exemplo, quando um aluno consegue uma nota ruim na prova, geralmente, as primeiras reações são referentes a fatores externos, que não estão sob o controle do estudante: “fui mal na prova porque ela estava difícil”, “fui mal na prova porque o professor foi exigente na correção” etc. Porém, a mesma situação poderia ser vista de uma forma diferente e, na maioria das vezes, representa melhor a realidade: “fui mal na prova porque eu não estudei o suficiente”, “fui mal na prova porque eu faltei às aulas” etc. Na produção de leite não é diferente. Quando enxergamos as adversidades, por meio dos fatores que estão sob nosso controle, trazemos a responsabilidade para nós mesmos e conseguimos agir como protagonistas dos nossos resultados.
Nesse sentido, o preço do leite está nas mãos do produtor? Não! Uma série de fatores externos, que estão fora do controle do produtor, influenciam no preço. Os custos de produção estão nas mãos do produtor? Sim! Da porteira para dentro, o produtor é o responsável direto pelos seus resultados.
Sabemos que o custo com alimentação do rebanho e, especificamente, as despesas com concentrado são os itens de maior peso, no custo de produção da atividade leiteira. No gráfico abaixo, temos o comportamento histórico do preço do milho grão e do preço do leite pago ao produtor. No comportamento histórico, a tendência do mercado, no segundo semestre, é aumentar o preço do milho grão, que é um importante componente da dieta dos nossos animais e que impacta consideravelmente o lucro da atividade. O mesmo não acontece com o preço do leite pago ao produtor, pois, no comportamento histórico, a tendência do mercado, no segundo semestre, é a queda no preço do leite. No entanto, neste ano, o preço do leite fugiu um pouco da normalidade, visto que começou a cair antes do previsto e, para os próximos meses, a tendência é ter um leve aumento.
De qualquer forma, com base no comportamento histórico do preço do leite e do milho grão, o cenário para os próximos meses poderia parecer desanimador. No entanto, analisando friamente os resultados e as possibilidades, vamos entender que não é bem assim.
Gráfico 1 – Médias históricas do Brasil, considerando os dados do preço bruto do leite pago ao produtor (R$/l) e do preço do milho grão (R$/sc), desde 2005.
Fonte: CEPEA/ESALQ – USP. Dados obtidos no período de janeiro/2005 a junho/2019, deflacionados pelo IGD-DI, de junho/2019.
Pensando nesse cenário, muitas vezes a primeira opção que surge em mente é reduzir o gasto com concentrado, por meio da redução do fornecimento aos animais. Se reduzirmos a quantidade de concentrado fornecida aos animais de produção, evidentemente a despesa mensal com esse insumo será reduzida. No entanto, ao contrário de alguns outros gastos, o menor gasto possível não corresponde a maior rentabilidade, pois pode afetar a produtividade dos animais, impactando a receita, o que prejudica o retorno econômico e a eficiência da propriedade.
Com base nos resultados, que há anos coletamos e analisamos, de centenas de fazendas, os gastos com concentrado, para todo o rebanho, não devem ultrapassar 35% da renda bruta da atividade, pois podem comprometer os resultados econômicos e a eficiência da propriedade. As fazendas mais rentáveis seguem essa composição de custo. Com esse valor, podemos considerar como uma referência para avaliar a eficiência de uso desses insumos, visando equilíbrio dos custos de produção e maior rentabilidade do negócio. Práticas como, por exemplo, compras estratégicas relacionadas à nutrição do rebanho, uso de alimentos alternativos, adoção de tecnologias (como por exemplo, a utilização de silagem de grão úmido ou reidratado), uso adequado de volumosos em quantidade e qualidade, dentre outros fatores, sempre com o acompanhamento técnico e gerencial de um profissional capacitado, são alguns dos caminhos possíveis e adequados para esse caso.
Continuando o raciocínio, retomamos alguns questionamentos: o que mais interfere no bolso do produtor é o preço do leite ou o custo de produção? Ou ambos interferem igualmente? Para responder a essas questões, vamos observar os gráficos abaixo.
Analisamos os dados de uma amostra de 125 fazendas do nosso banco de dados, dos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo para responder a essas questões. Estes gráficos apresentam as correlações entre o preço do leite, em R$/l, com o lucro unitário, em R$/l, que representa o que sobra no bolso do produtor, após pagar todos os custos variáveis e fixos, até mesmo o custo de oportunidade do capital empatado. Também é apresentada a correlação entre o lucro unitário e o custo total de produção, que representa o somatório de todos os custos variáveis e fixos, envolvidos no processo produtivo. Junto aos gráficos, são apresentados os coeficientes de determinação (R²), que auxiliam a compreender como a alteração em uma variável interfere na outra variável.
Gráfico 2 – Correlação entre lucro unitário (R$/l) e preço do leite (R$/l)
Fonte: Amostra de 125 fazendas do banco de dados da Labor Rural, dos estados de GO, MG, PR, RJ, RS e SP. Dados obtidos no período de julho/2018 a junho/2019, deflacionados pelo IGD-DI, de junho/2019.
Quando analisamos os dados, percebemos que não há correlação significativa entre o preço do leite e o lucro unitário, ou seja, há propriedades que não dão lucro ou que dão lucros elevados e recebem o mesmo preço pelo leite. Como exemplo, o ponto vermelho representa uma propriedade com o preço do leite no valor de R$1,71/l e com um prejuízo econômico de -R$0,85/l. O ponto verde representa uma propriedade com o preço do leite no valor de R$1,68/l e o lucro de R$0,66/l.
Dessa forma, reforçando, não são necessariamente os produtores quem recebem mais pelo leite comercializado, os que ganham mais dinheiro, como é expresso pelo resultado obtido de R² igual a 0,1%. Já em relação aos custos, o comportamento é diferente, como pode ser observado no próximo gráfico.
Gráfico 3 – Correlação entre lucro unitário (R$/l) e custo total unitário (R$/l)
Fonte: Amostra de 125 fazendas do banco de dados da Labor Rural, dos estados de GO, MG, PR, RJ, RS e SP. Dados obtidos no período de julho/2018 a junho/2019, deflacionados pelo IGD-DI, de junho/2019.
Ao avaliarmos a correlação entre o lucro unitário e o custo total de produção (somatório de todos os custos variáveis e fixos), observamos que há uma forte correlação negativa entre os indicadores. Como exemplo, o ponto vermelho representa uma propriedade com o custo total de R$2,01/l e com um prejuízo econômico igual a -R$0,45/l. O ponto verde representa uma propriedade com o custo total de R$ 1,16/l e o lucro de R$ 0,46/l. Dessa forma, como apresentado pelo R² igual a 81,99%, há uma tendência de as fazendas com melhores resultados econômicos serem aquelas com menores e mais equilibrados custos de produção, de acordo com o seu nível de produção.
Ao observar esse comportamento, podemos pensar que nas diferentes regiões do Brasil esse cenário seja diferente. No entanto, verificamos, na tabela abaixo, que, felizmente e independente da região ou sistema, o custo de produção sempre possui maior relação com o lucro das propriedades.
Tabela 1 – Coeficientes de determinação (R²) da correlação entre preço (R$/l) e lucro unitário (R$/l), bem como da correlação custo unitário (R$/l) e lucro unitário (R$/l) de diferentes regiões.
Fonte: Amostra de 125 fazendas do banco de dados da Labor Rural, dos estados de GO, MG, PR, RJ, RS e SP. Dados obtidos no período de julho/2018 a junho/2019, deflacionados pelo IGD-DI, de junho/2019.
Essa tabela nos mostra que o coeficiente de determinação (R²) segue o mesmo padrão, independente da região, e indica o quanto o valor de uma variável consegue explicar os valores observados em outra variável, ou seja, como estão correlacionadas. Percebemos que, assim como nos gráficos acima, em todos os casos, não há correlação entre preço do leite (R$/l) e lucro unitário (R$/l), mas há forte correlação negativa entre o custo total (R$/l) e o lucro unitário (R$/l).
Quanto a esses pontos, é importante ter em mente que custo mínimo não é sinônimo de lucro máximo. Quando se trata de custos, devemos pensar em equilíbrio, visando maior eficiência no uso dos recursos, de forma a produzir mais e melhor com menos. A gestão eficiente de qualquer negócio deve visar o lucro máximo, não o custo mínimo.
É comum depararmos com comentários como “não se ganha dinheiro com a atividade leiteira, porque o preço está ruim”. No entanto, quando conhecemos melhor os números, como apresentamos aqui, percebemos que o custo de produção exerce uma influência muito maior no resultado econômico da propriedade do que o preço em si. E a grande vantagem é que o custo de produção está sob nosso controle! Enquanto justificarmos maus resultados econômicos, exclusivamente com fatores externos ao nosso controle, como o preço do leite, permaneceremos da mesma forma, não conseguiremos agir em busca de melhores resultados e não conseguiremos mais dinheiro no bolso.
Para conseguir a eficiência e o equilíbrio dos custos, devemos buscar sempre uma boa assistência técnica e gerencial e nos enxergarmos como protagonista dos resultados do negócio, compreendendo que o foco deve ser dado aos fatores que estão “dentro da porteira” e sob nosso controle. Esse é o caminho para o sucesso da atividade. Fazendo o nosso dever de casa bem feito, conseguiremos bons resultados, deixaremos de ir “mal na prova” e de falar “fui mal porque a prova estava difícil”.
William Heleno Mariano – Zootecnista – Consultor Técnico da Labor Rural