O poder de compra do produtor mede a capacidade que ele tem de adquirir insumos com a receita oriunda da venda do leite, conhecida também como relação de troca entre insumos. Esta relação pode ser obtida pela razão entre o preço recebido pelo produtor e o preço pago pelos insumos. Assim, uma redução na relação de troca entre o leite e determinado insumo indicaria que o produtor se encontra relativamente em situação melhor, pois o preço recebido pelo leite cresceu acima do preço pago pelo insumo.
Neste contexto, o que se observou desde outubro de 2019 foi uma aceleração dos preços de importantes insumos na produção de leite, como o milho e a soja, o que pode ter indicado uma piora na relação de troca para o produtor de leite e um aumento na pressão sobre sua margem.
De acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – Cepea, o preço das sacas de 60 kg de milho e soja, em termos reais, ou seja, descontando a inflação do período, cresceram 35,6% e 32,8% quando comparado os meses de maio de 2019 e 2020, respectivamente, e com isso, o preço da mistura (70% milho/30% soja) aumentou 34,2% no mesmo período. A saca de milho passou de R$36,96 em maio de 2019 para R$50,12 em maio de 2020, enquanto a saca de soja passou de R$83,12 para R$110,41 no mesmo período. Com isso, os preços médios mensais das sacas de milho e soja este ano estiveram bem acima dos preços médios mensais observados nos últimos 10 anos (2009 a 2019).
Fatores como a desvalorização cambial, que aumentaram a competitividade dos produtos brasileiros no cenário internacional, as tensões comerciais entre Estados Unidos e China, que tem beneficiado principalmente o mercado brasileiro da soja com novos acordos de compras da commodity pelos chineses, e as incertezas geradas pela pandemia de Coronavírus, contribuíram para a elevação nos preços das commodities.
Apesar disso, de acordo com dados do Cepea, o que o produtor de leite observou foi uma queda do preço líquido do leite nos últimos meses, com uma redução de -14,4% quando comparado os meses de maio de 2019 e 2020. O preço do produto passou de R$1,61/litro para R$1,38/litro no período. No entanto, entre janeiro e abril de 2020, o preço real do produto esteve bem acima da média histórica dos últimos 10 anos e, somente em maio, esteve um pouco abaixo desta média, cerca de -0,15%. Ressalta-se que o ano de 2019 foi atípico para os produtores de leite, marcado por sustentação dos preços no campo, devido principalmente a oferta limitada e ao aumento da competição entre os laticínios. Dito isso, como se comportou o poder de compra do produtor de leite nesse período?
A figura 1 mostra a relação de troca entre o leite e as sacas de 60 kg do milho, da soja e da mistura, ou seja, mostra quantos litros de leite foram necessários para comprar a saca desses insumos no período de 2009 a maio de 2020, última informação disponível.
Figura 1 – Relação de troca entre o leite e os principais insumos (L/saca)
Fonte: Cepea (2020). *Média de preços entre janeiro/2020 e maio/2020.
Elaboração: Labor Rural.
Em destaque, tem-se a relação de troca de 2020, representada pela média de janeiro a maio (2020*), e de maio de 2020, ambas na cor preta. As piores relações de troca para o produtor no período na cor vermelha e as melhores relações de troca para o produtor do leite em azul. Entre 2011 e 2012, o produtor de leite obteve as piores relações de troca no período, enquanto que em 2017, para milho e mistura, e 2019 para soja, o produtor de leite obteve as relações de troca mais favoráveis.
Apesar disso, é possível perceber que o poder de compra do produtor de leite em relação a estes insumos piorou em comparação a 2019. Em relação ao milho, foram necessários 28,2 litros de leite em média para se adquirir uma saca do produto em 2019 e, no mês de maio de 2020, foram necessários 36,4 litros de leite, um aumento de 28,99%. Já em relação à soja, o poder de compra do produtor diminuiu ainda mais, sendo necessários 58,5 litros de leite em média em 2019 para se adquirir uma saca do produto, em comparação à 80,1 litros de leite em maio de 2020, uma piora na relação de troca de 36,73%. Por consequência, a perda de poder compra também foi observada para a saca de mistura, sendo necessários em média 37,4 litros de leite em média em 2019 e 49,5 litros em maio de 2020, um aumento de 32,64% na relação de troca.
No mês de maio de 2020, o poder de compra do produtor de leite em relação ao milho, a soja e a mistura esteve apenas 8,43%, 7,01% e 4,93% respectivamente acima das menores relações de troca observadas no período.
Com isso, apesar do histórico de preços maiores entre junho e setembro para o produtor de leite, o que vem se desenhando para o ano de 2020 é um cenário pior do que o observado em 2019 em termos de poder de compra em relação a esses insumos, ou seja, espera-se que não haja um crescimento suficiente do preço pago ao produtor em comparação aos preços desses insumos para que o poder de compra dos produtores de leite retome os patamares observados entre 2017 e 2019. Aliado a isso, o cenário de piora da renda da população devido à pandemia do Coronavírus pode diminuir a demanda por leite e derivados lácteos, pressionando o preço pago ao produtor para baixo. Portanto, este cenário pode influenciar negativamente o poder de compra do produtor de leite, podendo contribuir para uma redução da margem quando comparado aos anos anteriores.
Guilherme Travassos