Apesar das mudanças na cadeia produtiva do leite nos últimos 20 anos, a relação do produtor de leite com laticínios compradores persiste instável. Muitas vezes, esse relacionamento é pautado pela infidelidade de uma das partes.
Um dos principais resultados desse comportamento é o aumento dos custos nas transações comerciais entre o produtor e os laticínios. Isso também ocorre com os laticínios e os distribuidores. Estes últimos, na maioria das vezes, são os supermercados.
Os fatores abaixo podem exemplificar o quanto o relacionamento comercial entre produtor e empresa compradora ainda está conturbado:
Buscar a redução dos custos de transação comercial entre os elos da cadeia produtiva do leite é fundamental. Para isso, as empresas compradoras precisam entender quais são os fatores para manter o seu parceiro comercial mais importante, o produtor de leite, fidelizado por mais tempo.
De um lado, temos uma racionalidade limitada das empresas compradoras de leite. Elas têm enorme dificuldade em propor contratos mais completos na relação com o produtor de leite. Esses contratos deveriam ser feitos com todos os produtores, mesmo sabendo que existem dificuldades devido à grande heterogeneidade, tanto na qualidade do leite quanto dos produtores.
Essa heterogeneidade está relaciona a quesitos como transporte, volume produzido e forma de armazenamento, entre outros. A racionalidade limitada leva ao oportunismo dos produtores de leite, que pode ser percebido nas decisões por troca de laticínios. O produtor faz a troca tendo como base somente seus interesses individuais, o que não é o certo.
Você deve estar se perguntando: quais são os motivos que levariam um produtor de leite a não agir de forma oportunista em relação à escolha de um laticínio?
Esta informação deve ser útil tanto para produtores – na definição do melhor parceiro comercial – quanto para empresas compradoras – para decidir sobre sua política de captação de leite e manutenção da sua carteira de produtores de leite.
O conjunto dessas informações provavelmente contribuirá para diminuir os custos de transação comercial. Principalmente devido a um entendimento mais amplo e democrático das informações entre todos os agentes da cadeia produtiva do leite, aumentado a racionalidade e diminuindo, assim, o oportunismo.
Para tentar explicar na prática, analisamos uma pesquisa da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Os dados foram coletados por meio de um questionário aplicado a um grupo de 32 produtores de leite, distribuídos em 16 municípios da Zona da Mata mineira.
Foram identificados 22 laticínios presentes na região. Entretanto, em média, cada produtor tem cinco laticínios como alternativa de venda. A idade média do grupo é de 53 anos, com 19 anos de experiência na atividade leiteira.
Esses números são semelhantes à média dos produtores brasileiros. Cerca da metade dos que participaram da pesquisa (47%) tem a atividade leiteira como principal fonte de renda. Em relação à escolaridade, 28% dos produtores possuem até o Ensino Fundamental, 31% até o Ensino Médio ou Técnico e 41% o Ensino Superior.
A média de produção diária é de 816 litros por produtor, e a produtividade das vacas é de 15,2 litros/dia. Em sete dos casos, os sistemas de produção são semiconfinados. Os espaços confinados somam 15% e totalmente a pasto, 6%. Existe a predominância da raça Girolando, com diferentes graus de sangue: 28% 7/8HZ; 50% 3/4HZ; 9% 1/2 HZ e 13% da raça Holandesa puro por cruza.
Em consulta aos especialistas em pecuária de leite da UFV, foram escolhidos, previamente, quatro grandes vetores que mais interferem na transação comercial entre empresa compradora e produtores de leite. São eles: Preço, Inovação Tecnológica, Aspectos Sociais e Logística. Em cada vetor, foram avaliados alguns itens que os produtores de leite mais dão importância.
O Gráfico 1 apresenta as prioridades dos produtores em relação ao critério Preço. Neste tema, o item “Problemas no pagamento” é uma prioridade (34,8%) quando comparado com outros. A divergência nos valores pagos pelos laticínios e os valores contabilizados e esperados pelos produtores são motivos de insatisfação.
Fonte: Dados da pesquisa/Labor Rural
Outro item que merece atenção das empresas compradoras de leite é a criação de um mecanismo de previsão de preço. É por meio dele que será possível fidelizar e garantir a satisfação dos clientes. Na pesquisa, esse item teve prioridade de 24,7%.
Sabemos que vários laticínios divulgam uma tabela de composição de preço com antecipação. Entretanto, na maioria das vezes, o valor está além do preço-base que é previsível. Isso porque são levados em conta outros componentes que não são previsíveis.
Os primeiros são a qualidade e a composição do leite. Em razão delas, tem-se o valor da bonificação, porém não dá para prever qual será a qualidade. E, principalmente, o fator “Adicional de mercado,” que é indefinido. Portanto, como foi possível perceber, não há previsibilidade quanto ao preço total final a ser pago ao produtor de leite.
Já o vetor de Prioridades de Inovações Tecnológicas, representado no Gráfico 2, aponta a Assistência Técnica como o critério mais importante (56,2%) para o produtor de leite.
A Promoção de Eventos (11,7%), a Venda de Insumos (15,6%) e os Serviços Técnicos – vacinadores, inseminadores etc. – (16,5%) têm aproximadamente a mesma importância relativa. O somatório dos três (43,8%) equivale à política de Assistência Técnica.
Fonte: Dados da pesquisa/Labor Rural
No vetor de Aspectos Sociais, observa-se um maior equilíbrio entre os critérios avaliados. Entretanto, destacam-se a importância do canal de comunicação do produtor com o Dono do Laticínio (26,9%) e a satisfação dos produtores com os Relatórios das Análises de Qualidade (23,3%) emitidos pelos laticínios.
O último vetor analisado, apresentado no Gráfico 3, refere-se aos aspectos de Logística. O critério de Precisão de Leitura da Régua (47,2%) é muito mais relevante que os demais. A mesma relevância foi observada entre os critérios Pontualidade (23,2%) e Frequências das Coletas de Leite (20,8%), pois são variáveis que podem afetar a rotina de trabalho dos produtores. Esses aspectos foram mais importantes que o estado de conservação dos caminhões.
Fonte: Dados da pesquisa/Labor Rural
A questão que aponta a insatisfação dos produtores quanto à precisão da leitura do tanque é, no mínimo, contraditória. Exigem-se dos produtores, por exemplo, inovações tecnológicas, modernos equipamentos de ordenha, tanques de expansão de atestada qualidade e abrigo para o tanque de acordo com as normas de cada laticínio. Esses fatores, de fato, são de extrema importância para a modernização da cadeia produtiva do leite, mas não são os únicos.
Por outro lado, muitos laticínios continuam insistindo em medir o volume de leite captado no tanque com régua, procedimento passível de muitos erros devido a vários fatores. Isso é uma grande contradição. Já existem mecanismos mais modernos, precisos e higiênicos para aferir a quantidade de leite comprada do produtor.
É importante lembrar que os resultados encontrados na pesquisa e apresentados neste artigo têm muita influência regional. Por isso, não é possível concluir que essas informações devem ser seguidas em todo o Brasil. As prioridades devem ser apontadas por pesquisas regionais sob a ótica dos laticínios das referidas regiões.
Em Minas Gerais, foi constatado que, para obter ganhos na captação e na fidelização dos produtos, os laticínios da região devem atuar nos seguintes pontos:
• Possuir um eficiente sistema de controle de pagamentos;
• Prever e garantir com antecedência o preço pago ao produtor;
• Promover programas de assistência técnica e gerencial continuada;
• Possuir bom canal de comunicação com o produtor;
• Ter um bom sistema de aferição do leite coletado no tanque de resfriamento da propriedade.
Muito se cobra do produtor de leite quanto à eficiência, à inovação tecnológica, à criatividade, ao empreendedorismo e à mudança de postura. Essas, na verdade, são características necessárias ao produtor de leite de sucesso. Mas e quanto aos outros agentes da cadeia do agronegócio leite?
Para a cadeia produtiva do leite ser forte, todos os agentes devem buscar a mesma força e importância relativa. Isso é difícil, mas necessário para a profissionalização e o amadurecimento entre os agentes. Fazendo uma analogia a uma corrente, não existe corrente forte se um elo estiver fraco. A corrente irá se arrebentar no primeiro desafio. Enfim, ficam as perguntas para as empresas compradoras de leite:
• Como está a sua eficiência técnica e econômica?
• As suas inovações tecnológicas?
• As reduções de perdas e rendimento industrial?
• A eficiência na roteirização da coleta do leite?
Depois de se atualizar sobre os aspectos da fidelização na cadeia produtiva do leite, sua atuação será muito melhor. E para ajudá-lo ainda mais nesta empreitada, disponibilizamos uma tabela que vai auxiliá-lo a monitorar os custos fixos da sua produção e, dessa forma, se tornar um produtor de sucesso.
Nota do autor
Este artigo se baseou nas informações contidas no artigo científico publicado nos Anais do 53º Congresso da Sober, cujo título é “Revelação das preferências dos produtores de leite na escolha de um laticínio – Uma abordagem multicritério”. A autoria é dos pesquisadores André Rosemberg Peixoto Simões e Roberto Max Protil, aos quais agradeço a oportunidade.
Autor: Christiano Nascif / Labor Rural
Fonte: Portal DBO.