Balde Branco – Fale um pouco sobre esse estudo do BNDES sobre a cadeia produtiva do leite, qual foi o objetivo dele e o que traz de contribuição para o setor…Sobretudo num momento em que se fala tanto das possibilidades de o Brasil se tornar um exportador efetivo de lácteos..?
Vanessa Martins – No ano 2018, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), juntamente com a Labor Rural e Embrapa, conduziu o estudo “Desafios para exportação brasileira de leite”, com o objetivo de identificar e analisar os principais desafios existentes para viabilizar a exportação dos produtos lácteos brasileiros. Para isso, buscamos entender quais as restrições para o país se tornar um importante player no mercado internacional do leite, uma vez que apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores mundiais, seu leite ainda é pouco presente no mercado internacional, devido ao alto custo de produção e de sua baixa qualidade (além de outros motivos). Ao analisar os resultados obtidos nos projetos de assistência técnica e gerencial, ressalta-se a importância do aumento da eficiência técnica e econômica na cadeia produtiva do leite, mediante a difusão de conhecimentos e tecnologias, para torná-la competitiva mundialmente. Políticas públicas que privilegiem o aumento da competitividade e deem maior importância ao controle da qualidade, parecem ser o melhor caminho para aumentar a presença do leite brasileiro no exterior.
BB – Como você vê nossa pecuária leiteira, seus pontos fortes e fracos…
VM – É indiscutível que a pecuária leiteira apresenta elevada importância social e econômica para o País. Entretanto, a realidade é que grande parte dos produtores ainda operam com resultados técnicos e econômicos insatisfatórios. Isso ocorre devido a alocação indevida dos recursos utilizados, dificultando o retorno esperado em forma de leite e consequentemente de receita, o que tem provocado inclusive o abandono da atividade. Diante deste fato, neste estudo buscamos também fornecer informações que sirvam de orientação para os produtores alcançarem o sucesso na atividade, tornando-a viável e atrativa economicamente. Para isso, eu e Christiano Nascif (diretor da Labor Rural) utilizamos o banco de dados da Labor Rural, que contém informações técnicas e econômicas de milhares de propriedades que participam de projetos de assistência técnica e gerencial, e então pudemos identificar propriedades leiteiras eficientes em transformar os recursos utilizados no processo produtivo em produto final (receita), a fim de difundir a sua estratégia de trabalho para que outras fazendas consigam se tornar eficientes.
BB – Qual a importância dessa análise e como ela pode levar aqueles produtores menos eficientes a melhorar na atividade?
VM – Muitos produtores não sabem se quer quais são os resultados de indicadores zootécnicos e econômicos ideais para a propriedade ser eficiente. Como alcançar uma meta sem referências de “como” e “onde chegar”? É isso o que tem dificultado a obtenção de resultados satisfatórios nas propriedades. Esta análise é de extrema importância, pois mostra ao produtor o caminho percorrido por quem alcançou o sucesso na atividade, o que reduz o risco do insucesso.
BB – O que você destacaria que tem impedido às fazendas leiteiras de obterem resultados mais satisfatórios?
VM – Para nós que trabalhamos com a gestão, é nítido que o sucesso de uma propriedade leiteira está baseado em três pilares: preço, escala de produção e custo de produção equilibrado. Destes três, o preço tem sim sua importância, mas não é tão fundamental (todos os nossos estudos apontam uma baixa correlação entre preço e lucro) quanto obter escala e custos equilibrados (para o alívio dos produtores). Digo “alívio” pois o fator preço não está sob o comando do produtor, ao contrário dos fatores escala e custo de produção, que nada mais é do que produzir mais e melhor com menos! Ou seja, 2/3 do sucesso dependem do que é feito da porteira para dentro. Como já disse, a falta de indicadores zootécnicos e econômicos corretos para se ter uma boa gestão da propriedade tem dificultado as fazendas leiteiras a obter resultados mais satisfatórios, pois elas não conseguem transformar os insumos utilizados na atividade em produto (receita), de forma eficiente.
BB – Qual foi a base dessa pesquisa e qual sua abrangência em termos de região?
VM – Utilizamos dados coletados junto a 618 propriedades leiteiras nos estados de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Essas fazendas participam dos projetos de assistência técnica e gerencial NATA/Nestlé, PDPL-PCEPL/UFV e Educampo/Sebrae. Os dados foram obtidos no período de março de 2017 a fevereiro de 2018. O alto número de propriedades abrangeu uma grande diversidade de tamanhos, volume de produção, sistemas de produção, diversidade de manejo e de nutrição, entre outros aspectos. Vale ressaltar o seguinte: as fazendas classificadas como mais eficientes conseguiram melhores resultados técnicos e econômicos independentemente por exemplo, do sistema de produção, pois se constatou que os diferentes sistemas existentes (confinado em estruturas simples ou em estruturas como Compost Barn ou Free Stall, semiconfinado ou pastejo intensivo), não determinaram a eficiência ou ineficiência da propriedade, ou seja, o sistema de produção não é o responsável pelo sucesso ou insucesso de uma propriedade, o que torna a meta de qualquer produtor rural (ser eficiente) perfeitamente atingível.
BB – Toda essa diversidade que, na realidade, é um retrato das propriedades leiteiras do País, permitiu uma visão fiel do que é ser eficiente e ineficiente na produção de leite?
VM – Sim. Inicialmente, procedemos com uma análise discriminante dos dados, onde constatamos que a diversidade das propriedades (tamanho, volume, sistema de produção etc) não determinou a classificação de uma propriedade como eficiente ou ineficiente, o que nos permitiu avaliar toda esta amostra de forma conjunta. Para determinar a eficiência ou ineficiência, utilizamos uma metodologia de análise que nos permitiu calcular a eficiência técnica e econômica da propriedade, de acordo com o tipo de retorno em relação à escala: constante, crescente ou decrescente. Isso sim nos possibilitou avaliar o comportamento das propriedades e definir à sua eficiência ou ineficiência.
BB – Detalhe mais essa questão dos tipos de retorno…
VM – Uma propriedade classificada no grupo de “retorno constante” significa que o produtor a conduz em escala ótima de produção, isto é, um aumento percentual nos insumos utilizados resulta em um aumento proporcional das receitas. Exemplo: O aumento de 10% no uso do insumo concentrado resulta em aumento de 10% da receita bruta da fazenda. Estas fazendas são extremamente eficientes em produzir com sustentabilidade técnica e econômica, uma vez que conseguem converter ao máximo os insumos utilizados em produto (receita). Já uma propriedade classificada no grupo de “retorno decrescente” obtém o aumento da produção de leite a custos médios crescentes, ou seja, está no ponto de máxima produção, mas não obtêm um aumento proporcional da receita bruta que compense o custo (é o caso de uma vaca de torneio leiteiro por exemplo, onde o produtor investe financeiramente o máximo em concentrado e a vaca não produz a quantidade suficiente de leite para compensar o gasto com concentrado), e são portanto classificadas como ineficientes. Por fim, uma propriedade classificada no grupo de “retorno crescente” significa que com a quantidade de insumos utilizada, ela poderia estar gerando mais receita, ou seja, com os insumos que utiliza ainda há potencial para gerar mais produto, e por isso, as fazendas nesta situação apresentam um grau de ineficiência.
BB – Das 618 propriedades pesquisadas qual o porcentual de eficientes e de ineficientes?
VM – Foram classificadas como eficientes 25% das propriedades, ou seja, 155. Isto significa que elas conseguem converter ao máximo (ou próximo) os insumos que utilizam em produto, apresentando a melhor relação produto/insumo. Já as 423 propriedades restantes foram classificadas como ineficientes. No geral, a eficiência média das 618 propriedades avaliadas foi de 76,5%, a das propriedades eficientes foi de 95,6% e a das ineficientes de 70,1%. Isso demonstra que, de forma geral, as propriedades leiteiras apresentam potencial para gerar maior quantidade de produto em relação ao que está sendo produzido.
BB – Que indicadores foram os mais significativos para caracterizar o desempenho das propriedades?
VM – A análise apontou que a taxa de retorno do capital investido, a produção média diária, o gasto com concentrado em relação à renda bruta da atividade, a taxa de giro anual e o estoque de capital empatado a cada litro de leite produzido foram os principais indicadores para uma propriedade se tornar eficiente. Isso se confirma ao analisar o resultado obtido pelo grupo das fazendas eficientes, que apresentou indicadores técnicos e econômicos equilibrados, como maior volume de produção (Litros/Dia), maior produtividade das vacas (L/VL/Dia), mão de obra (L/Dh) e terra (L/Ha/Ano), custos mais equilibrados (% COE e CT em relação ao preço), entre outros. Isto permite uma alta rentabilidade real (9,04% a.a.) e torna a atividade leiteira viável e atrativa economicamente para esses produtores. Já o grupo das propriedades ineficientes operam com resultados técnicos inferiores em relação às eficientes e com desequilíbrio nos custos de produção (CT em relação ao preço de 99%). Dessa maneira, a atividade leiteira, apesar de viável, não se torna atrativa economicamente a esses produtores (1,94% a.a.).
BB – A partir dos resultados analisados, qual seria o caminho para o produtor melhorar o desempenho da propriedade?
VM – Os indicadores “produção média diária”, “percentual do gasto com concentrado em relação à renda bruta da atividade”, “estoque de capital empatado por litro de leite produzido”, “taxa de giro” e “taxa de remuneração do capital com terra”, se bem trabalhados, determinam o sucesso do produtor de leite, seja qual for o sistema de produção adotado. Todos estes cinco indicadores são o “fim”, e não o “meio” para obter o sucesso. A medida em que se aumenta a escala de produção das propriedades, há uma forte probabilidade desta empresa operar com maior taxa de retorno do capital imobilizado, proporcionada pela maior taxa de capital de giro e pelo menor capital imobilizado por litro de leite produzido por dia. A escala é, portanto, um grande indicativo para o alcance da maior rentabilidade. O ganho em escala pode ser obtido através do aumento do volume de leite, produzido com maior eficiência da mão de obra, terra e estoque de capital utilizado a cada litro de leite. Desta forma, na busca pela eficiência técnica e econômica, os produtores devem ter como meta o aumento da produtividade. Assim, o produtor conseguirá reduzir o “percentual do gasto com concentrado em relação à renda bruta da atividade”, diluir o “estoque de capital empatado por litro de leite produzido”, aumentar a “taxa de giro” e, por fim, elevar a “taxa de remuneração do capital com terra”.
BB – A de tudo isso, que mensagem você gostaria de deixar aos produtores de leite?
VM – Gosto muito de uma frase citada por Fernando Penteado Cardoso, que diz “O Brasil é um país onde as pessoas acham muito, observam pouco e não medem praticamente nada!”, vejo isto de forma nítida na pecuária leiteira. Os produtores precisam buscar cada vez mais uma consultoria que vá além do conceito da assistência técnica tradicional, que tenha também como princípio a gestão, afim de potencializar os resultados tecnológicos e econômicos de sua propriedade, é uma questão de sobrevivência. Como reflexão para os leitores fica aqui também a mensagem de William Edwards Deming: “Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia”. Sucesso a todos, é este desejo que me motiva a desenvolver trabalhos como este!
Vanessa Martins é formada em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa,
consultora e hoje atua como gerente da empresa Labor Rural.